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Rio cria auxílio financeiro para órfãos de vítimas do feminicídio
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A irmã era sempre a primeira a ligar para dar os parabéns. No dia de seu aniversário de 28 anos, o motorista de aplicativo estranhou, já que ela não tinha entrado em contato até o fim da manhã. Quando ele estava acendendo a churrasqueira para começar as comemorações, recebeu a mensagem de um primo pedindo que corresse até a escola onde os sobrinhos estudavam, porque a irmã dele tinha sido morta dentro de casa pelo marido. O crime aconteceu no dia 29 de abril deste ano. Desde então, os meninos de 4 e 6 anos estão sob a guarda do tio.
As crianças estavam em casa quando o pai começou a agredir a mãe. O filho mais velho da vítima, que tem Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e autismo, chegou a perguntar para o pai: “Por que o rosto da mamãe está machucado?”. O agressor respondeu que tinha sido “o dentista” e retirou as crianças do apartamento.
Com a morte da mãe e a do pai — que teve um infarto na prisão há três semanas —, os meninos acabaram ficando com o tio, que tem o desafio diário de manter os sobrinhos e as duas filhas, de 2 e 11 anos. A mulher dele não trabalha para poder cuidar das crianças.
“Éramos eu e ela (a vítima). Perdemos nossos pais em um acidente em 2013. Minha irmã sempre cuidou de mim. Eu não pensei duas vezes antes de ficar com os meus sobrinhos. Está sendo fácil? Não. Sou só eu para tudo. Eu trabalho como motorista. Está tudo caro: comida, leite. Mas a gente vai à luta”, disse o tio.
“Papai machucou a mamãe”
O motorista de aplicativo afirmou que, além da questão financeira, a maior dificuldade que ele enfrenta é a de explicar para os sobrinhos por que a mãe nunca mais voltou.
“O mais velho falava toda hora que queria voltar para casa, que aquela não era a casa dele. Perguntava pela mãe, pelo pai. Não queria sair para passear porque dizia que eles iam voltar para buscá-los. Depois de um tempo, com a ajuda de uma psicóloga, conversei com ele sobre o que aconteceu. Disse assim: ‘Lembra que a mamãe estava machucada?’. Ele respondeu: ‘Sim, foi o dentista’. Eu disse: ‘Não, foi o papai que machucou a mamãe, e os dois agora foram morar no céu’. Eles são muito pequenos, não dá para contar detalhes. É uma dor enorme”, descreveu o irmão da vítima.
Os meninos são vítimas dessa tragédia que é o crime de feminicídio . Em um levantamento feito pelo GLOBO com base em homicídios de mulheres no Estado do Rio que foram noticiados pela imprensa no primeiro semestre deste ano, 56% das vítimas deixaram filhos. Na estatística oficial do Instituto de Segurança Pública (ISP), a polícia registrou 57 feminicídios de janeiro a junho. Mas os dados divulgados não trazem a informação sobre órfãos.
Na capital, metade também deixou filhos. Numa tentativa de amenizar o sofrimento dessas famílias, a Secretaria Municipal de Políticas e Promoção da Mulher do Rio decidiu criar o Cartão Mulher Carioca — Órfãos do Feminicídio.
O auxílio é disponibilizado de forma emergencial para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e tem o valor de R$ 400 para cada um dos filhos que perderam a mãe. Inicialmente, o benefício é válido por seis meses, mas pode ser prorrogado por até um ano.
Duas famílias atendidas
O cartão para órfãos é administrado por quem fica com a guarda das crianças. A secretária de Políticas e Promoção da Mulher, Joyce Trindade, explicou que tem sido feita uma busca ativa por essas famílias.
“A ideia é ser um auxílio imediato. Com a ajuda das delegacias e da própria imprensa, a gente identifica as vítimas de feminicídios e procura as famílias para entender o caso, identificar se essa família vive em situação de vulnerabilidade e oferecer o benefício. A partir daí, também encaminhamos a família para uma equipe com psicólogos, advogados e assistentes sociais, em parceria com as outras secretarias”, explicou.
Apenas duas famílias estão recebendo o cartão, mas nove crianças já foram inscritas no programa até agora. O Rio foi o segundo município do país a criar esse tipo de assistência. Para conseguir o benefício, é preciso que a família responsável tenha renda máxima de um salário mínimo, more na cidade do Rio e seja atendida por uma das unidades da Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
O dinheiro está disponível para filhos de até 24 anos que sejam dependentes da vítima, mas precisam comprovar matrícula na rede de ensino oficial ou apresentar invalidez permanente conforme laudo médico.
De acordo com o Fórum Nacional de Risco de Feminicídio, as mulheres estão mais sujeitas a serem agredidas ou mortas por companheiros ou ex-companheiros quando estão grávidas ou têm filhos pequenos.
No mês de julho, Sarah Jersey Nazareth Pereira, de 23 anos, foi assassinada pelo ex-namorado dentro de casa no centro do Rio. Ela deixou dois filhos, um de apenas dois meses e o outro de 4 anos, que estão sendo cuidados pela avó materna. A família, segundo a prefeitura, pode pedir o auxílio temporário.
A secretária Joyce Trindade explicou que sua pasta esbarra em uma questão legal para manter a ajuda por mais tempo: no âmbito municipal, só é possível oferecer benefícios eventuais, de efeito emergencial. Ela reconhece que o ideal seria criar um tipo de pensão para essas crianças, mas explicou que essa medida é de competência federal.
Coordenador da Infância e da Juventude na Defensoria Pública do Rio, Rodrigo Azambuja explicou que não há garantia previdenciária específica para as crianças que perdem as mães assassinadas.
Segundo ele, além dos benefícios temporários, que podem ser concedidos por cada município, as famílias que ficam com a guarda dos filhos da vítima podem tentar obter junto ao INSS a pensão por morte ou o auxílio reclusão (no caso da prisão do pai), mas isso vai depender de uma série de critérios.
A pensão por morte, por exemplo, só poderá ser concedida caso a mãe, que foi vítima de feminicídio, seja vinculada a algum tipo de regime previdenciário e tenha contribuído com esse sistema. No caso do auxílio reclusão, quando o pai das crianças é preso pela morte da mãe, os filhos passam a ter direito a receber esse benefício, mas, para isso, esse homem precisaria estar trabalhando com a carteira assinada, ser segurado do INSS e comprovar ter renda baixa.
“O problema é que o cenário que a gente vê hoje é de uma queda cada vez maior no número de segurados do INSS . Há muita gente sem acesso a empregos formais, muita gente passando fome . Estamos vivendo um empobrecimento da população e um nível de desemprego que torna o acesso a esses tipos de proteção previdenciária cada vez mais difícil”, explicou Azambuja.
Perda da paternidade
O defensor público reforçou ainda a necessidade de as famílias que assumem o cuidado dos filhos da vítima regularizarem a guarda junto à Justiça.
“Sem regularizar a guarda, essa avó, esse irmão, esse parente não conseguirá representar os direitos da criança junto ao INSS nem fazer movimentações bancárias em nome delas”, enfatizou.
Membro da Comissão de Valorização da Primeira Infância do Tribunal de Justiça do Rio, a juíza Rachel Crispino, da Vara de Família da Baixada Fluminense, explica que, desde 2018, com as mudanças feitas na Lei Maria da Penha, em casos de feminicídio consumado, o pai condenado pelo crime é declarado “incapaz do exercício do poder familiar”, ou seja, ele perde o direito de exercer a paternidade.
“Houve um entendimento muito importante de que, quando o homem pratica a violência contra a mãe dos filhos dele, muitas vezes até na presença deles, ele está violentando diretamente as crianças. Não há como separar o bem-estar da mãe do dos filhos, principalmente quando eles têm até seis anos, idade considerada o fim da primeira infância”, explicou a magistrada.
Segundo a juíza, a guarda de órfãos do feminicídio, geralmente, fica com a família materna, por uma questão de sensibilidade e também por ser mais fácil garantir que o autor do crime não volte a conviver com os filhos.
Às vezes, há uma disputa pela guarda entre as duas famílias, mas a magistrada explica que a decisão de manter esses menores com parentes do agressor acaba acontecendo apenas quando a vítima não tem família.
Pode ocorrer ainda a situação em que a família da mulher alega não ter condições de cuidar dos órfãos. Os filhos das vítimas só são levados para instituições de acolhimento do governo e, posteriormente, liberados para adoção quando nenhuma das duas famílias é considerada apta a recebê-los.
“As crianças também são vítimas do feminicídio, mas são vítimas invisíveis dessa tragédia. A responsabilidade recai na maioria das vezes em cima de avós, que passam a ter mais bocas para alimentar sem ter como cuidar. É muito triste. Esse fenômeno social ainda é pouco visualizado, e não temos muitas políticas nesse sentido”, afirmou a juíza.
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Fonte: IG Nacional

Brasil
CCJ do Senado aprova marco temporal para demarcar terras indígenas

Parlamentares que integram a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovaram, nesta quarta-feira (27), o projeto de lei que estabelece que os povos indígenas só têm direito ao usufruto exclusivo das terras que já ocupavam ou reivindicavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal.
Incluído no Projeto de Lei (PL) 2.903/2023, analisado durante a reunião deliberativa que o colegiado realizou hoje, o chamado marco temporal para demarcação de terras indígenas recebeu 16 votos favoráveis e dez contrários. Ao fim de mais de quatro horas de debates, os parlamentares também aprovaram o envio do PL ao Plenário do Senado em regime de urgência.
Na última quinta-feira (21), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 9 votos a 2, que é inconstitucional limitar o direito de comunidades indígenas ao usufruto exclusivo das terras outrora ocupadas por seus povos em função da data em que a Constituição Federal passou a vigorar.
A Corte retomou nesta tarde, a análise de outros aspectos relativos à demarcação de terras indígenas não apreciados na semana passada, como a possibilidade de indenização a particulares que adquiriram terras de “boa-fé” e se o pagamento seria condicionado à saída de proprietários das áreas indígenas.
Além do marco temporal, já considerado inconstitucional pelo STF, a possibilidade do pagamento de indenizações e outros aspectos analisados pela Corte estão contemplados no PL 2.903. Para senadores favoráveis ao texto que a CCJ aprovou hoje, a decisão do STF não tira do Congresso Nacional a prerrogativa de legislar sobre o tema.
“A Constituição Federal é muito clara em relação às competências do STF e do Poder Legislativo. Não dá para alguém vir aqui no Senado e sustentar em seu voto que o Parlamento brasileiro está desafiando uma decisão do STF”, comentou o senador Marcos Rogério (PL-RO), relator do PL 2.903 na CCJ.
Já os deputados contrários à tese do marco temporal criticaram a legalidade da proposta aprovada. “É preocupante a CCJ do Senado persistir na intenção de legislar com entendimento contrário aquele consagrado com repercussão geral pelo STF. Parece não fazer sentido essa adoção. Ao menos não na seara de um projeto de lei. Se ainda fosse uma proposta de Emenda à Constituição [PEC] faria sentido confrontar o entendimento consagrado pelo STF, com repercussão geral”, ressaltou o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), somando-se a parlamentares que acreditam que a iniciativa será invalidada pelo Poder Judiciário.
Emendas
Antes da votação do PL, o senador Marcos Rogério apresentou seu parecer sobre as emendas que senadores apresentaram ao projeto original. Rogério defendeu a rejeição de todas as 49 sugestões de modificações do texto, entre elas a que tentava reverter a autorização para o cultivo de organismos geneticamente modificados em terras indígenas.
“Se o cultivo destes organismos é autorizado em qualquer lugar do Brasil, não permitir isso em terras indígenas seria inclusive violador do princípio da igualdade”, argumentou o relator antes de justificar seu veto à proposta que defendia que o “excepcional contato com povos isolados” só fosse autorizado a prestadores de auxílio médico, “em caso de risco iminente”, e com a intermediação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
“Não se pode excluir a necessidade de contato com povos isolados, inclusive por motivo de relevante interesse nacional, guerras externas ou necessidades inadiáveis, por exemplo”, disse o senador.
Rogério também defendeu que as comunidades indígenas sejam autorizadas a explorar o turismo em seus territórios, recomendando a recusa da emenda que propunha que a possibilidade fosse excluída do projeto de lei. “O turismo em terras indígenas vem sendo defendido até mesmo pela doutrina especializada em direito indígena”, garantiu o senador, defendendo a aprovação de mecanismos legais que permitam “a colaboração entre índios e não indígenas”.
Contrária ao PL, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) criticou o texto aprovado pela CCJ. “Ele fere frontalmente os povos indígenas do Brasil, sobretudo aqueles que estão em situação de isolamento, ao permitir o acesso [a comunidades indígenas isoladas] sem critério de saúde pública, sem respeitar aquilo que está estabelecido hoje. Este projeto também premia a ocupação irregular [dos territórios tradicionais reivindicados por povos indígenas], estabelecendo uma garantia de permanência para quem está em situação irregular”, afirmou Eliziane, sustentando que o projeto de lei, se aprovado em plenário e sancionado, agravará os conflitos fundiários no país, “aumentando a violência contra os povos indígenas”.
Fonte: EBC Política Nacional
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