Brasília – Em audiência pública destinada a discutir a regulamentação do uso da Inteligência Artificial (IA) no processo eleitoral brasileiro, realizada, nesta segunda-feira (11), na Câmara dos Deputados, o marqueteiro político Marcelo Senise, considerado um dos maiores especialistas no assunto no país, defendeu que o Congresso tome a frente desse processo, para proteger a democracia e as instituições. Ele propôs, inclusive, a criação de uma frente parlamentar para conduzir e acompanhar as discussões.
Um dos idealizadores da audiência pública, Senise participou do encontro ao lado de outros convidados: o advogado Fernando Castro, membro relator da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR, Lucas Pimenta, da plataforma Escola dos Políticos, e Emerson Saraiva, da Associação dos Profissionais do Marketing Político e fundador da consultoria Eleja.se.
“A questão é que a inteligência artificial é um assunto de extrema urgência. Acredito que seja necessário, inclusive, a gente começar a pensar numa frente parlamentar para acompanhar a questão, porque ela é complexa. Nós temos hoje um projeto de lei dentro do Senado Federal que está sendo uma discussão quase estéril, que veio de um grupo de juristas, etc. Só que ele está baseado especificamente na lei do consumo, na regra do consumo. E a coisa mais importante que a defesa democrática, que é a gente proteger as instituições do país, ela foi esquecida”, afirmou Senise, durante a audiência.
A discussão sobre o uso da IA nas eleições ganhou força após o CEO da OpenAI expressar preocupações extremas diante dos possíveis impactos nocivos dessa tecnologia nas democracias globais, alertando para a urgência de regulamentações. Os apelos dos profissionais de marketing e comunicação política, somados aos eventos eleitorais na Argentina, acenderam um alerta vermelho no parlamento brasileiro, incitando os debates mesmo às vésperas do recesso parlamentar.
O requerimento para a realização da audiência desta segunda-feira foi apresentado pelo deputado federal Professor Paulo Fernando (Republicanos-DF). O encontro, que contou com a presença de outros congressistas, foi presidido pelo próprio deputado, que alertou para a necessidade de atualização da legislação eleitoral diante dos novos desafios, principalmente no que diz respeito à manipulação de informações por meio de deepfakes.
Durante a audiência pública, Marcelo Senise lembrou que a IA foi largamente usada, sem qualquer regulamentação, na campanha presidencial vencedora de Donald Trump, nos Estados Unidos, e também no Reino Unido. Por meio da IA, a empresa Cambridge Analytica, segundo as investigações, mapeou os perfis dos usuários do Facebook, com a anuência da rede social, e os utilizou para interferir nas eleições dos dois países.
“Essa estratégia, usada pelo Trump, colocou a democracia americana, que é a maior democracia do planeta, de joelhos. Colocou uma das mais antigas, que é a do Reino Unido, de joelhos. Isso há seis anos. Imagina o que essa tecnologia evoluiu em seis anos E eu falo porque eu trabalho diretamente com isso”, disse Marcelo Senise, durante a audiência pública.
“Esse tema realmente tem tirado o meu sono, porque eu sei o que eu, com a minha ferramenta, sou capaz de fazer. Estou advogando contra meus próprios interesses, mas entendo que a gente pode achar um caminho do meio, um meio termo, onde a gente permita o desenvolvimento tecnológico, porque a IA tem várias vantagens para o uso eleitoral”, acrescentou Senise.
Como exemplo, ele citou a utilidade da IA para a detecção de uma fake news em cerca de 4 horas. “Temos o poder de fazer deepfakes, etc, etc, mas, se um sistema, como o Escopo, por exemplo, consegue captar isso em 4 horas, a gente consegue chegar no marco zero. E aí a gente não só consegue gerar a cassação do oponente, que fabricou essa fake news, como a gente gera a prisão dele”, pontuou.
Senise ressaltou ainda que a questão que se põe é muito mais profunda do que parece. “É isso que tem me desassossegado, que tem me incomodado. Todo mundo tem visto só a ponta do iceberg, que é a questão das deepfakes, que é a questão da manipulação de imagem, que é o que se enxerga. É o que geralmente os políticos têm maior receio”, disse. “Entretanto, essa é a parte menor dos problemas. Assim como a ciência mapeou o gen humano, o código genético, e isso deu tantas possibilidades para a ciência, a inteligência artificial mapeou a emoção humana. Ela tem um mapa do nosso caráter, ela tem um mapa de quem somos nós”.
O especialista também destacou que a União Europeia acaba de chegar a um acordo provisório sobre uma legislação inédita no mundo para regular o uso da inteligência artificial (IA). O acordo político entre os países do bloco e do Parlamento Europeu estabelece uma referência para aproveitar os potenciais benefícios da tecnologia, ao mesmo tempo que tenta proteger os cidadãos contra os seus possíveis riscos.
Ao final da audiência pública, o deputado Professor Paulo Fernando disse que as discussões foram muito produtivas e que elas serão lembradas quando a IA estiver devidamente regulamentada no Brasil. “Como Marcelo Senise falou, isso aqui é um pontapé inicial, um primeiro debate, primeira discussão”, afirmou o parlamentar.
Expectativas
A audiência pública representa um marco inicial nos debates sobre o uso da IA nas eleições brasileiras. Espera-se que os resultados desse evento contribuam para a formulação de políticas regulatórias eficazes, que garantam a transparência e a integridade do processo eleitoral.
Embora não haja tempo hábil para mudanças legislativas para as eleições de 2024, a discussão é fundamental para orientar futuras regulamentações, visando ao pleito geral de 2026.
O debate sobre a IA nas eleições, longe de ser apenas uma preocupação momentânea, coloca em pauta questões cruciais para a preservação da democracia diante do avanço tecnológico.